quarta-feira, 20 de julho de 2011

O Aditamento da Queixa pelo Ministério Público nos Crimes de Ação Penal Privada

No ordenamento jurídico brasileiro, considerando-se os interesses envolvidos e a legitimidade para a iniciativa, a ação penal classifica-se em pública e privada. Nas ações penais públicas, o Ministério Público, vinculado ao Princípio da Obrigatoriedade, oferecerá denúncia, deduzindo a pretensão punitiva em desfavor do acusado. Nas ações penais privadas, a titularidade está nas mãos do ofendido (denominado querelante) que, sob um critério de oportunidade e conveniência, tem a faculdade de oferecer queixa-crime contra o ofensor (querelado), requerendo sua punição.

A partir de tal diferenciação, nota-se que o Ministério Público age de forma diferenciada nas duas espécies de ação penal: nas públicas, figura como titular do direito de ação e, por ser dominus litis (dono da lide), atua como parte; nas ações penais privadas, sendo partes o querelante e o querelado, o Ministério Público atua como custos legis, ou seja, como fiscal da lei.

Assim, nas ações penais privadas, considerando a importância da tarefa de custeador e tutor da lei - pertencente ao Ministério Público -, o legislador incumbiu-lhe a particular função de impedir que a ação penal promovida pelo particular represente um instrumento de vingança legitimado pelo Estado. Não é por menos: quando se admite que o ofendido possa exercer ou não o direito de ação, não se pode ignorar que ele possa fazê-lo apenas contra alguns dos ofensores. Daí a regra prevista no art. 48 do Código de Processo Penal, segundo a qual “a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade” (grifou-se).

Nota-se, então, que a atividade do ofendido, nas ações penais privadas, está vinculada ao denominado Princípio da Indivisibilidade, em virtude do qual, havendo concurso de agentes, existirá a obrigatoriedade de que a queixa seja formulada contra todos os autores, co-autores ou partícipes do crime. Do contrário, ocorrerá a extinção da punibilidade pela chamada renúncia tácita do direito de ação, prevista no parágrafo único do 104 do Código Penal (“importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercê-lo.”)

Então pergunta-se: como o Ministério Público exercerá o controle da aplicação do Princípio da Indivisibilidade se o não oferecimento de queixa em relação a um dos ofensores implica em extinção de punibilidade pela renúncia tácita?

Para responder satisfatoriamente tal questão há necessidade de se realizar uma interpretação conjunta dos dispositivos legais existentes.

Primeiramente, não se pode dizer que a fiscalização exercida pelo Ministério Público, no tocante ao cumprimento do princípio da indivisibilidade, restringe-se a apontar a ocorrência de renúncia tácita e pugnar pela extinção da punibilidade. Se assim fosse, tal fiscalização poderia ser feita pelo próprio juiz, de ofício (art. 61 CPP), no momento do recebimento da queixa-crime, a partir da análise dos fatos constantes no inquérito policial ou em quaisquer peças de informação. Para a atribuição conferida ao Ministério Público levou-se em consideração a possibilidade do Promotor de Justiça poder aditar a queixa-crime, utilizando-se da faculdade prevista no art. 45 do Código de Processo Penal. E é nos limites deste aditamento, que se encontram as principais discussões.

Alguns doutrinadores e parte da jurisprudência têm entendido que tal aditamento é restrito à inclusão de circunstâncias que possam influir na caracterização do crime, em sua classificação ou em sua pena. Não se admitiria, portanto, o aditamento para inclusão de co-autor ou partícipe quando houvesse sua injustificada exclusão na queixa-crime, pois neste caso considerar-se-ia caracterizada a renúncia tácita e, por conseguinte, a extinção da punibilidade dos autores do crime.

Nota-se que é ponto pacífico o fato do Ministério Público poder complementar a queixa no que toca à circunstâncias do crime e particularidades da pena, mas no que concerne à inclusão de co-autores e partícipes, a argumentação expendida é parcialmente vulnerável. É claro que a titularidade das ações penais privadas pertence exclusivamente ao ofendido, a ponto de não se permitir a ingerência do Ministério Público em relação à vontade manifesta do particular. Todavia, não se pode negar que a renúncia tácita somente se caracteriza com a prática, pelo ofendido, de ato incompatível com o direito de oferecer queixa. Se esta foi oferecida, mas não abrangeu todos os autores do crime, não se pode concluir justamente o contrário: que o ofendido não queria exercer o direito de queixa! Por outro lado, a prática do ato incompatível é personalíssima do ofendido e como este não é obrigado a ter conhecimentos jurídicos, não se deve fulminar seu direito pela incompletude ou inépcia da queixa. Não é à toa que a primeira parte do art. 48 do Código de Processo Penal, é certeira a ponto de afirmar que a queixa contra um dos autores do crime obrigará ao processo de todos.

Embora se reconheça o direito do ofendido de iniciar a ação penal contra o ofensor, deve se entender que o Ministério Público somente vela efetivamente pelo princípio da indivisibilidade quando tem a possibilidade de aditar a queixa e incluir co-autores e partícipes. Neste caso, após tal manifestação, caberá ao ofendido, se for o caso, discordar do aditamento e aí sim deixar clara a vontade de não dar continuidade à ação penal. Dessa forma, haveria literalmente a prática de um ato incompatível com o direito de queixa e a extinção da punibilidade daí decorrente seria equivalente a que ocorre quando o ofendido requer o arquivamento do inquérito policial – existiria, então, renúncia tácita.

3 comentários:

  1. MUITO BOA EXPLICAÇÃO PROFESSORA.

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  2. Estou estudando para a prova do MP e este artigo me ajudou a entender o que é o aditamento feito por ele. Muito obrigada!

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  3. O texto me permitiu a exclusão definitiva de duvidas no processo de aprendizado. Obrigado

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