segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Reconhecimento de Pessoas e Coisas: algumas considerações sobre este intrincado meio de prova

No Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais do mês de dezembro de 2011, Mariângela Tomé Lopes, ao abordar o reconhecimento de pessoas e coisas como meio de prova, traz um dado bastante interessante: numa pesquisa realizada pela ONG norte-americana denominada “The Inocence Project”, constatou-se que 75% das condenações de inocentes se devem a erros cometidos por vítimas e testemunhas ao identificar suspeitos no ato do reconhecimento.

Sinceramente não duvido nem um pouco dessa estatística...

No ano de 2005, eu e Andréa Flores atendemos um rapaz que tinha acabado de ser preso, sob a suspeita de ter cometido uma tentativa de estupro contra uma criança de 9 anos de idade. Fomos procuradas por um ex-aluno que conhecia a mãe do rapaz e que atestava não somente a sua idoneidade, mas a de toda a sua família.

Como tomamos conhecimento, a polícia foi chamada logo após o crime e, mediante diligências empreendidas no bairro, abordaram nosso cliente ao sair de casa. Imediatamente, dois policiais militares o levaram até a casa da menina e, na presença e por pressão de vizinhos e familiares, a pobre criança acabou por apontá-lo como o autor da violência sexual. Na delegacia de polícia, o tio do rapaz (bem mais velho que ele), foi colocado ao seu lado, juntamente com um terceiro “de capacete” (pasmem!), para ser reconhecido. É claro que a criança não teve dúvidas em apontar aquele que inicialmente o haviam “apresentado” como autor do crime.

Foi uma peleja para demonstrar a ilegitimidade da prova, a ilicitude do reconhecimento feito às pressas, de afogadilho e totalmente ao arrepio das regras do Código de Processo Penal. A condenação adveio do juiz de primeira instância, de sorte que só conseguimos a tão almejada absolvição no Tribunal de Justiça.

Foi um caso emblemático, daqueles que não se esquece. Mesmo assim, para não perder os detalhes das provas que foram por nós incansavelmente produzidas, fotocopiamos o processo “de fio a pavio” e guardamos em nosso arquivo.

Atualmente, arrepia-me a idéia de reconhecimento. Na sustentação oral que fiz no Tribunal, falei de todas as evidências que demonstravam a inocência de nosso cliente, fazendo questão de ressaltar a triste sensação que restava para nós, professoras e advogadas naquele momento: a de que a prática não precisa ser igual à gramática.

Na época, encontramos um julgado que se amoldava como uma luva ao que havia acontecido:

Prova – reconhecimento – agente apresentado pela polícia à vítima como tendo sido o autor do delitosuspeição da diligência ante o sugestionamento do sujeito passivo – “É suspeito o reconhecimento do agente pela vítima, se efetivada a diligência após ter sido aquele apontado pela Polícia ao ofendido, como o autor da infração”. TACRIM-SP, Rel. Cunha Camargo, JUTACRIM 35/50 – grifou-se.

Certa vez, Ada Pellegrini Grinover ressaltou a importância das formalidades dos atos processuais para as partes – uma garantia contra os arbítrios e desmandos de qualquer autoridade.

Hoje não me resta qualquer dúvida sobre tão lúcida afirmação!

2 comentários:

  1. Essa questão do reconhecimento é de fato extremamente delicada. Me vi uma vez envolvido num caso em que o réu havia sido "taxativamente reconhecido" como um estuprador em serie por 4 vitimas. Curioso notar que o reconhecimento foi feito por uma FOTO, e pela moto, que era azul (mas que segundo as vitimas era vermelha). Pior ainda foi descobrir que existia um exame de DNA que PROVAVA que ele era inocente, e que nao havia sido juntado ao inquérito pois a delegada sustentava veementemente a versao de que o reconhecimento encerrava o caso. Levamos meses até conseguir fazer esse exame ser juntado aos autos...

    ResponderExcluir
  2. Infelizmente isso tem sido uma constante, é o que nós chamamos de Estado Policial, no qual o sujeito ainda continua sendo apenas um objeto de prova!Parabés Doutora Rejane, com certeza tive uma excelente professora!!!

    ResponderExcluir