terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Réu se defende dos fatos e não da capitulação legal


O artigo 41 do Código de Processo Penal prevê, dentre os requisitos da denúncia, a "classificação do crime". Isto significa que, depois de narrar a infração penal, cabe ao Ministério Público tipificar a conduta cometida pelo réu. 

A classificação penal da infração é relevante, pois, é a partir dela, que poderão ser concedidos ao réu benefícios como a liberdade provisória, com ou sem fiança, a suspensão condicional do processo, a transação penal, etc. 

Por outro lado, quando se tipifica uma infração penal, comprova-se que o pedido de condenação deduzido na denúncia é juridicamente possível. 

Ocorre que o réu se defende dos fatos que lhe foram imputados e não da capitulação legal. Daí porque o próprio artigo 41 do CPP dispõe também ser requisito da denúncia "a narração do fato com todas as suas circunstâncias". 

Para se ter ideia da importância de se reconhecer que, no final das contas, os fatos narrados são mais importantes que a classificação jurídica, trago o julgamento da Ministra Rosa Weber no RHC 123.896, cujo resultado foi publicado neste mês de fevereiro de 2019.

No caso referido - no qual tive o cuidado de analisar a denúncia - oito réus tinham sido acusados da prática de dois crimes de extorsão mediante sequestro em continuidade delitiva, uma tentada e outra consumada (arts. 159 § 1º c/c 14, II, do CP c/c art. 159 § 1º do CP c/c art. 71 do CP).

Todavia, na denúncia, além da descrição das ditas extorsões, constou a seguinte imputação: "o indiciado R, por ser proprietário de uma loja de telefones celulares, também ficou responsável pelo cadastramento de aparelhos em nome de um laranja, RPS, e pelo fornecimento de celulares que seriam utilizados para comunicação entre os membros de quadrilha e para contato com os parentes da vítima" (grifei).

Considerando-se, então, os fatos descritos na denúncia, houve, ao final do feito, a condenação dos réus não apenas pelos crimes de extorsão, mas também pelo crime de quadrilha ou bando (artigo 288 - hoje associação criminosa).   

Nas medidas e nos recursos usados pelos réus, sempre se alegou que o crime de quadrilha (hoje associação criminosa) não teria sido descrito na denúncia e, portanto, estaria configurada uma nulidade, por ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Nada adiantou... a condenação restou mantida!

Portanto, algumas lições podemos tirar de tudo isso: 

a) o quão importante é uma denúncia bem feita, em que os fatos e condutas são bem delineados;

b) a relevância de se compreender que é a denúncia que traz os limites da acusação;

c) o mérito do magistrado que, no momento do recebimento da denúncia, verifica a narrativa apresentada, identificando a descrição e individualização de condutas com a respectiva capitulação. 
   
   
   
 

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